Símbolos de uma Belém ostentação da virada do século XIX, os quiosques têm muitas histórias para contar sobre a cidade
Aí, meu amigo, tudo bom, bote aquela cerveja geladinha, pode ser? Mas uma gelada mesmo. Aí ele riu com o bigode e perguntou quando foi a vez que ele serviu uma cerveja quente. Tudo bem, chefia, então me veja aquela caipirinha porque essa, com certeza, vai vir cheia de gelo. Copo pequeno, quatro contos, um-dois, me dá uma ajuda, vai uma arte, tem preconceito com hippie e tudo. Mais uma caipirinha, mais uma pulseira. Mais uma cerveja, mais uma. Bota fé que o Oswaldo Montenegro tava aqui ontem? Aí aproveitou o fim de noite, sentou ao lado e papofuradeou um pouco pra não perder o costume.
Num relatório do Velho Lemos, ele falava que tinha feito contrato com o Francisco Bolonha, o engenheiro, pra construção e exploração dos quiosques. O cidadão construiu e ganhou logo a concessão. Pode isso? Era a tal da Belle Époque, a construção de uma imitação de Paris pra população rica
Foi só o começo. Esses quiosques, que nem esse aqui, foram invenção do Antônio Lemos, que achou bonito na Europa, e queria que aqui fosse lá. Aí construiu uma porção de quiosques pela cidade. Num relatório do Velho Lemos, lá de muito tempo, ele falava que tinha feito contrato com o Francisco Bolonha, o engenheiro, pra construção e exploração dos quiosques¹. O cidadão construiu e ganhou logo a concessão. Pode isso? Era a tal da Belle Époque, a construção de uma imitação de Paris pra população rica. É que nem diz a Naná. Naná? A Nazaré Sarges, professora da federal: ela fala que se obrigou a população pobre a ir para as periferias, uma situação excludente mesmo².

O quiosque é o companheiro de bar dos boêmios que vagueiam pelo centro da cidade
Aí, um tempo depois, já dava pra ver os quiosques bailando pelas praças da cidade, como dizia ainda o relatório. Mas já gostavam dos bichos: diziam que eram construções leves, que não destoavam dos elegantes jardins e tal e coisa³. Leves e elegantes, mas o Pereira Passos, à época prefeito do Rio, não quis eles por lá. Tem gente que diz que é tudo art nouveau, mas é quem não sabe muito das coisas. Tem art nouveau, mas têm outros caqueados também.
Os quiosques tinham elementos góticos, barrocos e, também, do art nouveau. São os chamados estilos ecléticos. E quem diz isso é a Rose, a Roseane Norat, professora da federal4. Tanto que tinha quiosque de tudo quanto: uns maiores, outros menores; uns mais quadrados, como esse aqui, e uns mais cônicos.
O quiosque era tipo um mercadinho: se vendia tabaco, bebida e tudo quanto era miudeza. Menos garapa. O Velho Lemos não gostava de garapa. Devia ser que nem eu, que Deus o livre…
Olha ali: estás vendo aquele negócio de ferro, tipo uma alça? É a mão francesa, essa sim com desenhos de art nouveau. Tem também esse tipo meio apontado pra cima, coisa do gótico, os desenhos de gregas marajoaras, tendência modernista. Uma coisa! Tudo isso se passando lá pelo final do século XIX pro XX. E deu uma bela golada e rasgou a garganta e retomou o papo. O quiosque era tipo um mercadinho: se vendia tabaco, bebida e tudo quanto era miudeza. Menos garapa. O Velho Lemos não gostava de garapa. Devia ser que nem eu, que Deus o livre…

Representação do quiosque da Praça da República, um dos mais ilustres de Belém, que hoje sedia o Bar do Parque
Aí se passaram umas dezenas de Círios por aqui. Tiraram a corda, colocaram a corda de novo. A guerra começou, a guerra acabou. O Barata virou interventor, o Barata saiu, o Barata foi eleito, o Barata morreu. Vieram os clippers, aquelas paradas de ônibus meio filme de ficção científica, já viste? Elas tiveram seus anos, e caíram também. É que toda essa história, esses estilos e tudo, sabe, tem um momento de auge e um momento de decadência, que nem contou a Rose, a Norat. Passado isso, rola um flash back, um revival. Aí o estilo retorna. E foi o que aconteceu em Belém na década de 1980.
O estilo eclético dos quiosques belle époque voltou. E aí começaram a construir de novo no estilo do Velho Lemos. Só que os novos quiosques não voltaram que nem quando era no tempo do Lemos. O estilo voltou todo meia-boca, sem os detalhes. E de tão esbandalhado, a Rose chama de “falso histórico”. Foram feitos, como ela diz, a partir do que ficou de pé lá do século XIX e também a partir das fotos da época. Tanto é que, bem aí na frente, olha, tem um desses quiosques, meio cônico, que é o posto dos taxistas daqui. Tem desses também lá no Bosque. E tem uns que nem o Bar do Parque lá no Veropa, um do lado do Mercado de Ferro, outro na Feira do Açaí. Aí tu não sabes qual é qual. Não dá pra saber quem foi feito pelo Velho Lemos, quem foi construído em 80.
Isso significa que você não vai se aborrecer de acertar comigo, vai? De jeito nenhum. Ah, sim, e o que o Oswaldo Montenegro tava fazendo aqui? Sabe Deus. E riu. Naquele dia, a polícia chegou no meio do Batuque do pessoal, mandou parar, disse que não era hora, que tinha não-sei-quê na cidade, que não-sei-quem tinha mandado. Ah, e ainda colocaram a culpa no Círio. Meu amigo, nunca vi uma santa mais costa larga que essa. Só tomando uma…
Foto: Kleyton Silva
Ilustração: Marri Smith
1 LEMOS, Antônio José de. O município de Belém, 1897 a 1902: Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém. Belém: Arquivo da intendência municipal, 1902.
2 SARGES, Nazaré. Belém: riquezas produzindo a Belle Époque (1870-1912). 3ª ed. Belém: Paka-Tatu, 2010.
3 LEMOS, Antônio José de. O município de Belém, 1897 a 1902: Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém. Belém: Arquivo da intendência municipal, 1902.
4 Entrevista com Roseane Norat realizada em 24/09/2015.