Anunciado pela prefeitura durante o aniversário de Belém, o projeto de reforma gerou duras críticas e manifestações contrárias. Na última quinta, a prefeitura teve que acatar a decisão de adiar a obra para 2017.
Representantes dos trabalhadores do Ver-o-Peso e de associações que defendem o patrimônio histórico comemoraram, no final da tarde da última quinta (7), o anúncio de que a reforma da feira do Ver-o-Peso deve ser adiada para o ano de 2017.

Representantes da empresa responsável pelo projeto, da Secretaria Municipal de Urbanismo, do Iphan e do Ministério Público Federal ouviram as críticas e sugestões da sociedade durante a audiência pública. (FOTO: Blog Veroveropeso)
A decisão foi anunciada no final da audiência pública realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) junto com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), indicando que o projeto ainda precisa ser amplamente discutido entre a sociedade e o poder público.
A superintendente do Iphan no Pará, Dorotéa de Lima, comentou sobre a necessidade de tornar 2016 um ano de debates. “Já foi aberto o canal. Então tem que continua pra não cair no mesmo erro. Vamos publicizar o parecer que vai ser dado pelo Iphan. Num segundo momento, com as transformações e adequações do projeto, é preciso abrir de novo a discussão.”

Reforma do Ver-o-Peso só deve acontecer no ano de 2016, segundo as informações anunciadas na última quinta. Realizada a audiência, o Iphan terá 15 dias para enviar à prefeitura e divulgar à sociedade o parecer sobre o projeto. (FOTO: Blog Veroveropeso)
Realizada a audiência pública, na qual estiveram presentes também representantes de secretarias municipais, de trabalhadores da feira e de cidadãos interessados no debate, o Iphan terá o prazo de 15 dias para divulgar e encaminhar à prefeitura o parecer sobre o projeto, assim como as sugestões e críticas apresentadas na audiência da quinta-feira e durante a consulta pública feita entre os dias 02 e 31 de março pela internet.
“Em uma síntese das manifestações feitas na audiência pública, podemos dizer que todos se mostraram favoráveis a uma restauração da feira, e que o atual projeto, segundo a maioria, não é o que melhor pode atender essa necessidade”, considerou o procurador regional da República, José Augusto Torres Potiguar.
PARTICIPAÇÃO
Anunciado pela prefeitura durante o aniversário de Belém, o projeto de reforma gerou duras críticas e manifestações contrárias por parte de diferentes segmentos da sociedade, especialmente dos feirantes e trabalhadores locais, por conta da insuficiência de discussões e da abordagem parcial da intervenção arquitetônica, que previa mudanças na feira do Ver-o-Peso sem considerar as suas relações com outras partes do complexo, especialmente a Pedra do Peixe e a Feira do Açaí.
“Não podemos falar de Ver-o-Peso sem falar de Feira do Açaí, sem falar de Pedra do Peixe.”
“Não podemos falar de Ver-o-Peso sem falar de Feira do Açaí, sem falar de Pedra do Peixe. Não podemos falar de Ver-o-Peso sem farinha, sem erva, sem hortaliça. O projeto diz que a hortaliça tá fora. Como é que você vai fazer um projeto de um lugar onde a centralidade da coisa é o açaí, o peixe, a hortaliça e eles tão fora? Como é que vão ficar esses feirantes? E as pessoas que trabalham com o cultivo, com a venda?”, questionou o feirante Joel França, do setor de hortifrutigranjeiro.
No começo da audiência, a superintendente do Iphan no Pará apresentou, de forma resumida, as contribuições recebidas por meio da consulta pública. Segundo ela, a maior parte dos documentos e das mensagens enviadas tinha em comum a recusa à nova cobertura proposta e a defesa da manutenção das características de feira popular próprias da Feira do Ver-o-Peso.
Feirantes e representantes de povos e comunidades tradicionais de matriz africana exigem a manutenção da venda de animais vivos na feira.
Dorotéa também informou que a cobrança por maior participação social no debate também foi recorrente e que uma das propostas sugeriu a realização de concurso público para escolha do projeto de reforma.
Houve contribuições ainda de representantes do poder legislativo municipal, pesquisadores, arquitetos, movimentos sociais e frequentadores da feira. A prefeitura foi cobrada a oferecer mais informações à população sobre o projeto e a permitir que todos os cidadãos e organizações interessados possam participar da discussão.
Além disso, os feirantes e os representantes de povos e comunidades tradicionais de matriz africana exigem a manutenção da venda de animais vivos na feira, setor desconsiderado pelo projeto de reforma. Esse ramo do comércio garante renda para muitas famílias e também resguarda tradições religiosas dessas comunidades e povos, que têm as suas tradições asseguras por leis internacionais.
RECUO
Durante a apresentação pública do projeto de reforma realizada na Estação das Docas, em fevereiro deste ano, o prefeito Zenaldo Coutinho impôs aos feirantes e ao Iphan que a decisão sobre a realização e o licenciamento da reforma deveria ser tomada até o final daquele mês.
A imposição de prazo e do próprio projeto, pouco discutido com os públicos da cidade, gerou indignação, mobilização entre diferentes segmentos e uma série de manifestações públicas dos movimentos sociais em audiências realizadas na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal de Belém.
Com a realização da consulta pública, por meio da qual o projeto foi fortemente criticado em seus aspectos técnicos e políticos, a prefeitura recuou.
O Ministério Público Federal também foi acionado por associações de defesa do patrimônio e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-PA). Com a realização da consulta pública, por meio da qual o projeto foi fortemente criticado em seus aspectos técnicos e políticos, a prefeitura recuou. Na audiência, o secretário municipal de Urbanismo, Adinaldo Sousa de Oliveira, informou que não há mais urgência para a realização das obras.
A prefeitura, segundo Oliveira, estaria disposta a discutir o projeto pelo tempo que for necessário para aperfeiçoá-lo e propiciar melhores condições de vida para os trabalhadores do Ver-o-Peso. Ele também afirmou que os recursos financeiros da prefeitura destinados à reforma estariam garantidos mesmo que a reforma fique para 2017.
Segundo o procurador Potiguar, devido à legislação eleitoral, mesmo que houvesse consenso sobre o projeto apresentado pela prefeitura, provavelmente não haveria tempo suficiente para a contratação de empresa para execução da obra este ano.
A seleção da construtora demandará a realização de licitação, procedimento que possui prazos específicos, e a lei proíbe aos agentes públicos a transferência voluntária de recursos da União aos Estados e municípios e dos Estados aos municípios durante período iniciado três meses antes das eleições.
Os feirantes saíram satisfeitos tanto com a chance de ampliação do debate, quanto com a garantia dos recursos para 2017. Eles temiam a apropriação política da reforma como moeda eleitoral. “Ao longo do tempo, a gente vem sendo massacrado pelo poder econômico. Supermercado, mercadinho… e o Ver-o-Peso resistiu. Hoje, o projeto vem, em pleno ano eleitoral pra fazer uma fantasia. A gente não aceita. Projeto pela metade, não. Projeto completo, sim. Com data de início, meio e fim”, disse Joel França.